Pesquisadora da USP e idealizadora do Me Too Brasil apontam caminhos para combater as desigualdades de gênero no mercado de trabalho e na sociedade

Apesar de ser um conceito frequentemente comprovado por mulheres no cotidiano, o machismo estrutural ainda pode ser um termo desconhecido ou mesmo invisível para grande parte da população. De tão enraizado na sociedade, durante uma construção de séculos, naturaliza muitos comportamentos que são, na verdade, ofensivos. Para a professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Beatriz Rodrigues Sanchez, o machismo não é fruto de atos individuais, pois está muito mais ligado às instituições e à forma de organização política, que reproduz a desigualdade de gênero. Portanto, uma transformação é tão difícil e gradual.

“Não adianta a gente mudar os atos individuais das pessoas para acabar com o machismo. A gente precisa questionar a forma como as empresas, as corporações, as instituições e o poder político estão estruturados de forma a excluir as mulheres desses espaços”, frisou a pós-doutoranda com pesquisa sobre a institucionalização dos movimentos feministas no poder Legislativo. Ela foi uma das participantes do Arena de Ideias nesta quinta-feira (28).

A idealizadora do Me Too Brasil, Marina Ganzarolli, uma das debatedoras do webinar, chamou a atenção para a idealização da mulher, que acaba exigindo uma perfeição que não existe, impondo obstáculos para a inserção e ascensão no mercado de trabalho. “São barreiras que estão além dos nossos méritos. Aí que está o estrutural. Quando estamos falando sobre estrutura, estamos falando sobre algo cuja mudança é paulatina, gradual. O fato de que não tinha banheiro para as mulheres no Senado é algo físico, material, que diz: o lugar das mulheres não é aqui”, exemplificou.

“Vemos mecanismos que vêm perpetuando essa desigualdade, reforçando-a ao longo de séculos. A gente precisa entender o tamanho da mudança cultural que a gente precisa promover até que se consiga fazer, realmente, avanços reais”, reforçou a Diretora de Curadoria e Conteúdo e Desenvolvimento de Produtos Oficina Consultoria, Miriam Moura, mediadora do webinar.

Pandemia da Covid-19

Na visão da pesquisadora Sanchez, o machismo não é um dado da natureza, mas uma discriminação de gênero fruto de nossa organização social. E o Brasil ocupa o segundo lugar na América Latina em questão de desigualdade de gênero, segundo o Índice Global de Desigualdade de Gênero publicado pelo Fórum Econômico Mundial este ano. O cenário se agrava com a Covid-19, que deve atrasar em mais de uma geração o tempo necessário para se alcançar a paridade entre homens e mulheres no país, aponta a pesquisa.

Ganzarolli ressaltou o aumento da sobrecarga de trabalho das mulheres na pandemia, que lidam com as chamadas segunda e tripla jornadas, além da carga mental, que envolve o planejamento de atividades rotineiras – como consultas médicas, listas de compras no mercado etc. – majoritariamente, a cargo das mulheres. “Quando falamos do machismo estrutural no ambiente de trabalho, não tem como tirar da equação o fato de que ainda exercemos a quase totalidade do trabalho não remunerado e reprodutivo no ambiente doméstico. E, com a pandemia da covid-19, muitas mulheres passaram ainda a exercer o trabalho remunerado dentro de casa, misturando-se ainda mais esses limites”.

Mansplanning, manterrupting e bropriating

Expressões estrangeiras que caracterizam a discriminação de gênero, principalmente no ambiente profissional, também foram pontuadas no bate-papo virtual, como mansplanning, quando um homem se apropria da fala das mulheres; manterrupting, nos casos em que o homem interrompe constantemente uma mulher, de maneira desnecessária, não permitindo que ela consiga concluir sua frase; e bropriating, ocasião em que um homem se apodera da mesma ideia já expressada por uma mulher, levando os créditos por ela.

Para enfrentar o machismo estrutural nas organizações, a professora Beatriz Rodrigues Sanchez sugere duas opções. “Uma delas é mais institucional, criando, dentro das empresas, órgãos de fiscalização, denúncia e averiguação desses casos; e canais pelos quais as mulheres possam expressar esses casos. Um acolhimento das instituições. Desde os casos mais graves quanto esses micromachismos que acontecem em reuniões”. E complementa: “outra questão, que é um pouco mais subjetiva, é a criação de redes de solidariedade entre mulheres. Quanto mais mulheres entram nesses espaços, vão percebendo que aquilo não acontece somente com elas”.

Onde assistir

O Arena de Ideias é o webinar quinzenal, aberto ao público, promovido pela Oficina Consultoria de Reputação e Gestão de Relacionamento que traz nomes de relevância no mercado para debater assuntos em pauta na sociedade brasileira. Transmitido ao vivo, está disponível no YouTube , Spotify e Linkedin.