A Imagem em Movimento – Resenha sobre Pierre Verger

Ruy Viana

Pierre-Verger-Autoretrato-771x1024Pierre Verger, fotógrafo francês, expõe em sua passagem pela Bahia e África imagens que nos fez lembrar os mitos dos heróis, as histórias dos peregrinos, eremitas, xamãs, pessoas que abandonam o lugar de origem e o ambiente familiar para empreender uma jornada pelo desconhecido, rumo ao totalmente oposto ou diferente. Sendo branco e europeu, Verger viveu entre negros da África e do Brasil, após conhecer boa parte dos cinco continentes.

Nascido em Paris, em uma família burguesa, Pierre Verger optou por morar de forma despojada em espaços como o modesto sobradinho do morro do Corrupio em Salvador, cidade brasileira pela qual trocou a então “capital cultural” do mundo. Ele foi educado segundo a racionalidade cartesiana, envolveu-se profundamente com a espiritualidade do candomblé, religião de possessão e sacrifício ritual. Tendo abandonado o curso secundário, tornou-se doutor em Etnologia pela Sorbonne.

Verger fez das escolhas de sua vida uma odisseia em busca da liberdade de ser, na qual o herói mítico enfrenta desafios propostos por si mesmo ou pelas circunstâncias. Não foram, segundo suas palavras, resultados de objetivos conscientemente perseguidos. Na história de Pierre Verger, os fios narrativos se multiplicam, pois, sua vida foi marcada por constantes rupturas e acontecimentos inesperados, deslocamentos de cenários e curiosas coincidências. Como nas várias versões de um mito, as diferentes faces de sua vida – a de estudante indisciplinado, dândi parisiense, viajante solitário, fotógrafo, babalaô, “mensageiro entre dois mundos”, etnólogo e historiador, entre outras – parecem expressar o leitimotiv do “renascimento” contínuo.

ee1852965b0a29fe3c249afc33f9e7eaSignificativamente, leitmotiv é a tônica da religião na qual Verger encontrou seu porto seguro: o candomblé. Nesta religião, o “nascimento” espiritual do indivíduo acontece através da passagem por inúmeras etapas, das as quais a Saída de Iaô é exemplar. Por esta razão, os autores optaram por apresentar a trajetória de vida de Pierre Verger por meio da alusão aos diferentes momentos deste ritual introdutório, homenageando-o, assim, com o reconhecimento de que sua vida e importância neste mundo religioso, e deste em sua vida, não se separam.

A sua iniciação na fotografia se deu por meio dos anos de 1932, em uma de suas primeiras viagens feita a pé por mil e quinhentos quilômetros da Córsega. Verger aprende fotografia com o seu amigo Pierre Boucher. A máquina fotográfica, uma  Rolleiflex usada, conseguida por meio da troca de alguns objetos de família, seduziu-o pela possibilidade de registrar tonalidades e formas com nitidez impressionante. A sedução pelo detalhe e a opção pelo close como enquadramento, método que chamaria posteriormente de “míope”, já revelam seu desejo de distanciar-se de um olhar convencional e tecnicamente “correto”.

Pellegrini (2002) lembra que Verger fez algo inédito na fotografia e fez a escolha por objetos “não usais” (como as formas da água, das pedras, composições de texturas, a convivência e o equilíbrio de elementos da natureza diferentes, etc.). Esse seria o primeiro indício da valorização da parte sem a qual o todo não se constitui. Num segundo momento, quando suas viagens o levam a conhecer as diferentes e exuberantes formas que a humanidade assumia nos locais que visitava, sua sensibilidade para o diferente, o excluído, o recessivo, o singular, parece encontrar com estes uma perfeita comunhão.

pierre-verger-bonfim-porto-novoVerger possui uma percepção do valor individual que não se perde no coletivo, mas confirma-se na viagem realizada com um grupo de turistas para a URRS, em 1932. Essa viagem foi motivada pelo desejo de opor-se de modo radical ao mundo burguês em que fora criado. Percebe, entretanto, que as virtudes estão nos homens e não nas ideologias, e que a cega oposição ao meio ainda o tornava um refém dele. Sua personalidade desapegada e individualista o leva a distanciar-se das questões políticas que na Europa ganhavam contornos maniqueístas pelo alinhamento quase obrigatório entre posições de esquerda ou direita.

SAIBA MAIS: http://www.pierreverger.org/br/

 

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Ruy Viana Junior, fotojornalista e jornalista que passou uma boa parte de sua vida em Londres e Itália, dedicando-se ao estudo e à documentação dos mais variados aspectos da fotografia contemporânea. Percorreu países da Europa se espelhando em todas as formas onde o olhar fotográfico a levava. Retornou ao Brasil em 2012, onde reside atualmente e vai falar sobre a história de fotografia e suas nuances aqui no site.

Além disso, Ruy é um grande amigo e fotógrafo oficial do livro Dicas da Carol. Sucesso!