Terminou no início da tarde do último sábado o Encontro Internacional de Saúde Direito à Saúde, Cobertura Universal e Integralidade Possível, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Tribunal de Contas de MG (TCMG), Ministério Público de MG (MPMG) e Banco Mundial. O saldo foi muito positivo!

Estratégias diferentes garantem sucesso na saúde pública (20/11/2016 00:00:00)

Ao final do encontro, o deputado Antônio Jorge (PPS), um dos idealizadores da iniciativa, ressaltou os enormes desafios para aprimorar a saúde pública no Brasil e a importância dos três dias de debate. “Esse encontro internacional partiu justamente desse mal-estar. O SUS é um sistema pobre para gente pobre. É óbvio que algumas coisas precisam mudar, mas esse debate precisa primeiro deixar de ser tabu”, avaliou. “Se é preciso mudar, quebrar totens, precisamos ter coragem para isso”, assegurou.

Referindo-se aos movimentos sociais de 2013, o deputado disse que a partir desta mobilização o povo aprendeu a gostar das ruas, o que tem sido salutar para a democracia. “Se a partir daí nos mobilizamos por várias razões, ainda não fomos às ruas em defesa de um melhor financiamento para a saúde. A verdade é que nos acostumamos a ouvir a nossa própria voz. Falamos para nós mesmos. A sociedade tem sido pouco participativa. O nosso maior desafio é fazer com que a agenda da saúde volte a ser uma agenda do cidadão, como ocorreu na criação do SUS em 1988. A opinião pública é a grande força motriz da mudança”, assegurou o deputado.

Roberto Iunes, economista sênior do Banco Mundial, ao fazer um balanço do encontro, voltou a afirmar que apesar da diversidade dos sistemas apresentados nos últimos três dias, os problemas são similares, com desafios comuns que se baseiam em questões relacionadas ao acesso, financiamento, equidade e solidariedade. Para o economista, o conceito do direto à saúde requer priorização, respeitando-se para isso o princípio da participação, prestação de contas, não discriminação, transparência, respeito à dignidade humana, empoderamento e respeito às leis. Todos esses desafios, assegurou Iunes, se manifestam na judicialização, fenômeno que, segundo ele, também tem aspectos positivos, como a participação do cidadão. Há também alguns riscos, como o aumento de gastos, abusos, ingerência do judiciário nas políticas de saúde e a desigualdade entre os que têm e os que não têm acesso à Justiça.

“Você pode não querer enfrentar o tema da priorização, mas este enfrentamento é necessário. Quando a priorização não é feita de forma explícita, certamente será feita de forma implícita, sem participação e sem transparência necessárias”, alertou Iunes.

Excelência na oferta de serviços públicos de saúde

Entre os países participantes, Portugal e Coreia do Sul estão bem perto de atingir a excelência na oferta de serviços públicos de saúde. Nesses dois países do mundo desenvolvido, o pontapé inicial foi dado pelo estado, mas, a partir daí eles seguiram por caminhos diferentes. Embora ambos exijam uma participação financeira direta do cidadão para bancar o atendimento, que varia conforme a condição social, em Portugal o estado controla todo o sistema, enquanto que entre os coreanos o governo assumiu um papel de organizador e fiscalizador.

Os debates foram abertos pelo secretário de Estado da Saúde de Portugal, Manuel Delgado, que, ao explicar o funcionamento do sistema português, fez críticas à realidade do setor na América Latina. “Nós dizemos constitucionalmente que vamos financiar a saúde e gastamos dinheiro com isso. Na América Latina, quando surge alguma demanda mais complicada, dizem que é preciso paciência. Em Portugal, o recurso tem que aparecer, mesmo que de um dia para o outro”, pontuou, ao lembrar recente acordo emergencial feito com as indústrias farmacêuticas que possibilitou a solução de uma crise envolvendo pacientes com hepatite C.

Em Portugal, o acesso universal, geral e gratuito à saúde consta da Constituição de 1976, aprovada no contexto da redemocratização do país. O mercado de planos de saúde é praticamente inexistente. “Todo cidadão tem direito a qualquer tipo de tratamento, mas equidade não é necessariamente igualdade de direitos. Quem mais precisa tem mais direitos”, resume Manuel Delgado. Em 1979, foi criado então o Serviço Nacional de Saúde (SNS e, na década de 1980, implantado uma taxa moderadora, uma espécie de coparticipação no financiamento dos serviços, com algumas isenções.

“Ela não é alta (entre cinco e 20 euros, em média), mas necessária para influenciar psicologicamente o cidadão a não procurar um serviço de urgência por causa de um simples resfriado”, exemplifica.

Judicialização – Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes e gasta 12% do PIB com saúde. No Brasil, país de 200 milhões de habitantes, o gasto foi de 8% em 2013. A presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde de Portugal, Marta Temido, reconhece que as diferenças sociais e de dimensões entre os dois países torna a tarefa portuguesa de gerenciar a saúde pública mais fácil. Lá, por exemplo, a chamada judicialização da saúde (crescimento do número de ações na Justiça para garantir medicamentos ou tratamentos médicos) não é problema.

“Na minha avaliação, isso se deve a uma maior cultura participativa do cidadão, uma cultura de protestos, que não vejo na sociedade brasileira”, aponta Marta Temido. Na análise da especialista, esse maior envolvimento nas questões públicas do cidadão português aumenta a pressão para que eventuais carências sejam resolvidas extrajudicialmente, enquanto no Brasil o cidadão ainda depende de algumas instituições para ser ouvido.
“A Justiça portuguesa é mais resistente em intervir no sistema de saúde, pois a reclamação a instâncias como à entidade reguladora independente ou ao provedor de justiça produz resultados”, completa Marta Temido.

Coreanos apostam na prestação privada de serviços.

Em 50 anos, a Coreia do Sul passou de um dos países mais pobres do mundo a um seleto integrante do mundo desenvolvido, com altas taxas de desenvolvimento econômico e social. Um dos passos desse processo foi a implantação de um sistema de saúde, que apesar de público na concepção, é fortemente embasado na prestação privada de serviços. Lá, cabe ao Serviço Nacional de Seguros de Saúde (NHIS) coletar as contribuições dos cidadãos, negociar e contratar os fornecedores, mas, ao usar o serviço, ainda é preciso pagar uma coparticipação.

Apesar da grande diferença com relação ao SUS brasileiro, o serviço tem alta taxa de satisfação entre os 50 milhões de habitantes do país, onde 90% dos hospitais são privados. O gerente do Departamento de Relações e Cooperação Internacional do Serviço Nacional de Seguros de Saúde, Whang Won, explicou que, com disciplina, em apenas 12 anos foi alcançada a universalização da cobertura, sendo que os gastos em saúde atualmente correspondem a 7,2% do PIB.

“Ao contrário do que vimos aqui, nossa Constituição não fala em direito à saúde, temos apenas uma lei nacional de serviços de saúde. Os benefícios são os mesmos para todos, mas a contribuição se baseia no perfil do segurado”, explica Whang Won. O envelhecimento rápido da população ainda é um desafio a ser superado, pois ameaça a sustentabilidade do sistema, mas, na Coreia do Sul, não há judicialização da saúde. Um comitê de políticas da saúde tem a palavra final caso haja algum questionamento.

Monitoramento – Garantir a boa aplicação do grande volume de recursos no sistema, cerca de US$ 59,6 bilhões em 2015, é responsabilidade do Serviço de Revisão e Avaliação do Seguro de Saúde, ou Hira. A diretora-geral da Equipe de Cooperação da Indústria e da Academia deste serviço, Jung-Sook Cho, explica o papel fundamental deste órgão, que é independente e cuida de tarefas como estabelecer tabelas de custos de serviços e honorários, organizar a cobertura, fomentar pesquisas e monitorar a qualidade.

“Também recebemos as queixas e prestamos informações aos cidadãos. Nossos relatórios de avaliação são amplamente divulgados, com incentivos aos bons prestadores de serviço e desestímulos aos que não correspondem às expectativas”, explica. É do Hira, por exemplo, por meio da grande capacidade de cruzamento de dados que dispõe, a responsabilidade de detectar fraudes e gerar protocolos para o aprimoramento constante dos serviços.